sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

GENY E O ZEPPELIN II

Paulo Matos

Essa Geny, inspirada em um romance de um escritor francês do século XIV, Guy de Maupassant – criada para o musical Ópera do Malandro, de 1978, baseado na Ópera dos Mendigos (1728), de John Gay, e na Ópera dos Três Vinténs, de Bertolt Brecht e Kurt Weill – se chama “Bola de Sebo” e é de 1880. Ela perde a graça e o encanto quando alguém se chama Geny. É sobre ela que vai derramar-se todo o ódio ancestral dos defensores da moral, embora se saiba de sua hipocrisia.
Mas ela oficialmente não pode constar em uma lista, em uma pilha de currículos, sem ser logo associada a esta “mulher de vida fácil” de comportamento “indecoroso”, que não podia ser aceito. Só restava às Genys mudar de nome.
Ela é um poço de bondade /  é por isso que a cidade / Vive sempre a repetir / Joga pedra na Geny / Joga pedra na Geni / Ela é feita pra apanhar / Ela é boa de cuspir / Ela dá pra Qualquer um / Maldita Geni
A moral da Geny, desta Geny, se estendeu para todas as Genys do país, difamando-as todas de maneira peremptória no generalismo abstrato. Não era “aquela Geny”, mas todas as Genys a causar risos em todos os lugares, em todas as ruas e bairros, em todas as cidades e estados, em todo o país. Só restava a ela mudar de nome.
Um dia surgiu brilhante / Entre as nuvens, flutuante / Um enorme Zeppelin / Pairou sobre os edifícios / Abriu dois mil orifícios / Com dois mil canhões assim / A cidade apavorada / Se quedou paralizada /  Pronta pra virar geléia / Mas do Zeppelin gigante / Desceu o seu comandante / Dizendo – Mudei de idéia / Quando vi nesta cidade / Tanto horror e iniqüidade / Resolvi tudo explodir / Mas posso evitar o drama / Se aquela formosa dama – Esta noite me servir. Essa dama era Geni.
E Geny, que se tornara solução da cidade, pois, interessava ao comandante, terá um curto verão de prestígio, pois sua natureza não permitirá ascensões:
Mas não pode ser Geni / Ela é feita pra apanhar / Ela é boa de cuspir / Ela dá pra qualquer um / Maldita Geni! Não adiantava ressaltar seu caráter humano e solidário, principalmente quando tinha suas próprias vontades.
Mas de fato, logo ela / Tão coitada e tão singela / Cativara o forasteiro / o Guerreiro tão / vistoso / Tão temido e poderoso / Era dela, prisioneiro / Acontece que a donzela / - e isso era segredo dela também tinha seus caprichos / E a deitar com homem tão nobre / Tão cheirando a brilho e a cobre/ Preferia amar com os bichos

A cidade foi aos pés dissuadi-la desse comportamento, pois que dele dependia para ter sua vida e sua cidade preservada:
Ao ouvir tal heresia /  A cidade em romaria / Foi beijar a sua mão / O prefeito de joelhos / O bispo de olhos vermelhos / e o banqueiro com um milhão
E incentivava:
Vai com ele, vai Geni / Vai com ele, vai Geni / Você pode nos salvar / Você vai nos redimir / Você dá pra qualquer um / bendita Geni
A comunidade clamava:
Foram tantos os pedidos
Tão sinceros, tão sentidos
Que ela dominou seu asco
Nessa noite lancinante
Entregou-se a tal amante
Como quem se dá ao carrasco
Apesar  de sua condição, ela se viu forçada a assumir esta relação repugnante para ela – e só o fez pela comunidade. Mas qual o quê:
Ele fez tanta sujeira
Lambuzou-se a noite inteira
Até ficar saciado
E nem bem amanhecia
Partiu numa nuvem fria
Com seu zepelim prateado
Num suspiro aliviado
Ela se virou de lado
E tentou até sorrir
Mas eis que volta sua realidade e sua tragédia, afastado o perigo, transparece:
Mas logo raiou o dia /  E a cidade em cantoria / Não deixou ela dormir / Joga pedra na Geni / Joga bosta na Geni / Ela é feita pra apanhar / Ela é boa de cuspir / Ela dá prá qualquer um Maldita Geni
Marcada pela tragédia de seu comportamento, tornou-se anti-exemplar para o pensamento coletivo. Seu nome, de salvador, virou estigma de ódio, como sempre fora, ao contrariar os supostamente rígidos valores morais de então – que nas alcovas não eram bem assim... Mas à Geny só restava e só resta mudar de nome, para apagar a nódoa que se impusera sobre si.

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